O controlador de acesso Alcyr dos Santos, de 55 anos, se espanta com a quantidade de estrangeiros que visitam o cemitério onde está o corpo de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. Dos 7 mil visitantes que foram ao local desde maio, quando o espaço foi aberto para o público, parte importante é de turistas que não são brasileiros. A morte do Rei do Futebol completa um ano nesta sexta-feira, dia 29.
“Já veio gente de Egito, Ucrânia, Rússia”, conta Alcyr, um dos responsáveis por controlar diariamente o acesso dos visitantes ao mausoléu onde está um dos jazigos mais famosos do planeta. “Quem mais vem aqui são alemães. Hoje, a mulher de um belga comentou que os alemães são fanáticos pelo futebol brasileiro”, diz ele ao Estadão.
Há sete meses, alemães, brasileiros e gente de várias nacionalidades visitam o Memorial Necrópole Ecumênica, cemitério situado a 900 metros da Vila Belmiro, em Santos. Todos querem ver o jazigo dourado no qual foi sepultado o maior atleta de todos os tempos. Virou um local no roteiro de quem passa por Santos, mais até do que a Vila Belmiro, onde Pelé jogou a maior parte de sua vida.
Construído há cinco anos, o túmulo é personalizado, com uma foto de Pelé em alto-relevo, e permanece em uma sala de 200 metros quadrados no primeiro andar do edifício, homologado pelo Guinness Book, o livro dos recordes, como o cemitério mais alto do planeta.
á em jazigo dourado personalizado em mausoléu em Santos Foto: Fernanda Luz / Estadão
O local está aberto diariamente, das 9h às 12h e das 14h às 18h, sem tempo de permanência estipulado. Nos últimos meses, não era necessário realizar um cadastro prévio no site do Memorial para a visita. No entanto, em dezembro, com o aumento do número de visitantes em razão das férias e do aniversário de um ano da morte do Rei, essa exigência passou a valer.
“Nunca vai haver alguém como Pelé”, acredita o vigilante. Ele não se importa muito mais com futebol - gosta mesmo é de acompanhar o vôlei -, mas se orgulha de torcer para o Santos, o time do Rei, rebaixado pela primeira vez em sua história um ano depois da morte do maior ídolo do clube. “Brinco com meu pai que se, pelo menos metade do time do Santos tivesse alguma característica do Pelé, não teria caído para a Série B”.
Na entrada da sala, existem duas estátuas douradas em tamanho real de Pelé feitas de latão. O teto do local onde ele descansa exibe uma reprodução de pintura de céu. As paredes são decoradas com imagens históricas do atleta e o piso, revestido de grama sintética. O túmulo é revestido também por placas de alumínio dourado e possui quatro painéis: dois retratam os gols de Pelé e os outros dois, a comemoração com o tradicional soco no ar. Nos quatro cantos do túmulo, há cantoneiras em formatos da Taça Jules Rimet, uma camisa da seleção brasileira e outra do Santos, ambas usadas pelo jogador.
Na área externa do cemitério está exposta a Mercedes Benz S-280 que Pelé ganhou da montadora em 1974 por ocasião do milésimo gol, marcado em 1969 contra o Vasco, no Maracanã. A manutenção do carro, o único a não sair um dia sequer do cemitério, gira em torno de R$ 5 mil por mês.
Pelé escolheu ser sepultado no Memorial porque era amigo do dono do espaço, o empresário argentino Pepe Altstut, que morreu em 2021. E também porque entendia que o local não se parecia com um cemitério, já que transmitia “paz espiritual e tranquilidade”. Pelé nunca gostou de velórios e enterros.
Homenagens
Passados 365 dias de sua morte, Pelé recebeu centenas de homenagens - temporárias ou duradouras - no Brasil e no exterior. Virou nome de estádios em países da África e da América do Sul, teve um trono em sua referência erguido em um estádio no México e passou a dar nome a ruas e avenidas, competições de futebol e foi reverenciado no minuto 10 em todos os jogos do “Brasileirão Rei”. O Santos, naturalmente, foi o clube que mais rendeu homenagens a Pelé e fez a promessa de honrar seu legado, mas encerrou a temporada protagonista do capítulo mais triste da história do clube, sendo rebaixado.
Na Política, a Câmara aprovou neste mês o projeto que cria o ‘Dia do Rei Pelé’ em homenagem à data do milésimo gol, 19 de novembro. Na educação, foi criado em São Vicente o Ambiente Municipal de Educação Integral (AMEI) Rei Pelé, que tem nome e imagens do maior atleta de todos os tempos. Além disso, Pelé virou adjetivo e foi oficialmente eternizado na língua portuguesa pelo dicionário Michaelis, que decidiu incluir o nome do Rei do Futebol como verbete em sua edição digital. “Aquele é que fora do comum, que ou quem em virtude de sua qualidade, valor ou superioridade não pode ser igualado a nada ou a ninguém”.
Os filhos de Pelé divergem quando questionados se os tributos ao Rei estão à altura de sua grandeza. Primogênito dos sete filhos, Edinho, de 53 anos, crê que as deferências ao pai foram “mais do que bem-feitas”. “Sempre será oportuno homenagear o Pelé. Mas o que foi feito esse ano foi ótimo. Não existe um protocolo, uma regra, porque é uma pessoa única no mundo. Tudo que foi feito e o que será ainda feito será próprio e merecido”, considera ele em entrevista ao Estadão.
Já Joshua Seixas Arantes do Nascimento, o filho mais novo, de 27 anos, entende que o lado humano de Pelé “deveria ser mais reconhecido”. “Para o futebol, poderia haver coisas que não acabassem, talvez torneios, nomes de troféus, afirma o preparador físico, que tem uma irmã gêmea, Celeste. Os dois moram com a mãe, a cantora gospel Assíria Seixas, nos Estados Unidos. “Esse é o ponto de vista de um filho que ama futebol e sabe que não dá pra falar de futebol sem falar de Pelé”.
Banco da Família
Parte dos herdeiros de Pelé se uniu para criar o JanBank, um banco, dizem eles, desenvolvido com propósito social. O empreendimento tem a participação de Assíria, Celeste e Joshua, este cujas iniciais de seu nome formam o nome da instituição financeira. “Fizemos esse banco para as pessoas. Temos coração pra isso. Temos um nome, baseado na fé que a gente crê, e a gente quer servir às pessoas”, explica Joshua.
Amigo de Pelé e tratado como um tio por Joshua e Celeste, o pastor Charlston Soares também faz parte do projeto. Foi ele que levou a ideia a Regis Renzi, o CEO da fintech, que fez o compromisso de destinar o mínimo de 10% de todo rendimento obtido com as operações do banco para os fundos sociais e entidades assistenciais. “Esse banco não tem como princípio ganhar dinheiro”, assegura o empresário. “O objetivo é transmitir e dar continuidade ao legado do Pelé. Tenho certeza de que ele deve estar lá em cima feliz e batendo palmas”.
No lançamento do JanBank, Soares, um pastor ruidoso, que conheceu Assíria em 1999 e diz ter frequentado a casa de Pelé em São Paulo durante nove anos, citou Martin Luther King Jr (”eu tenho um sonho”) e Barack Obama (”sim, nós podemos!”) para enaltecer o empreendimento da família
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